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Por que as mulheres precisam ser guerreiras?

Março é o mês marcado pela luta das mulheres por direitos e a gente vai falar sobre alguns clichês que a publicidade ainda reforça sobre as mulheres

A Mulher Maravilha é um PERSONAGEM

Vamos parar de exigir isso de mulheres REAIS pfvr

A gente já sabe que aquele estereótipo da mulher sensível, romântica e fofa não só é irreal como prejudicial para toda a sociedade. Mas para fugir disso, muitas vezes a gente cai em outro estereótipo bem ruim: o da mulher guerreira.

A maioria das marcas que querem fugir do padrão “mulherzinha” faz campanhas enaltecendo a força das mulheres, a maioria deles dando destaque para as “mães guerreiras” que conciliam profissão, cuidados com a casa e com os filhos sozinhas ou então mulheres que fogem do “padrão”: mulheres não-brancas, mulheres com deficiência, mulheres gordas, enfim vocês sabem.

O problema é que quando a gente olha para uma mulher e diz “uau, parabéns por ser guerreira” normalmente a gente não questiona os motivos que fazem ela ser guerreira. Por que uma mãe é obrigada a criar os filhos sozinha? Por que uma mulher com deficiência é considerada uma vencedora por sair de casa? Por que as mulheres negras sempre são elogiadas pela sua força, mesmo quando a foto é sobre o filme que ela assistiu semana passada no cinema?

A página Casa Mãe é ótima para entender a cilada do termo “mãe guerreira”. Acesse aqui

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A gente tem essa mania de romantizar o sofrimento

— ou de romantizar situações que deveriam ser normais, por exemplo, um cadeirante em um show de rock não deveria ser visto como uma vitória. Apesar da falta de políticas públicas para garantir acessibilidade, um cadeirante num show de rock é apenas uma pessoa que curte rock em um show de rock. Se você olha para uma pessoa com deficiência e a primeira coisa que vem a sua cabeça é como ela é uma guerreira, “afinal mesmo com X deficiência ela está sorrindo”, isso fala muito sobre seu próprio preconceito.

Sempre bom lembrar que esse preconceito tem um termo só seu: capacitismo. Capacitismo é o termo que se usa para a discriminação e/ou violência contra pessoas com deficiência.

O ponto é: as mulheres não deveriam precisar ser fortes o tempo todo. Mulheres negras precisam ser fortes porque o racismo as massacra dia após dia. Mulheres com deficiências precisam ser fortes porque o capacitismo as impede de viver. Mulheres que são mães precisam ser fortes para aguentar uma sociedade que ao mesmo tempo em que promove a maternidade compulsória exclui as mães e seus filhos pequenos do mercado de trabalho e do convívio social. Mulheres trans precisam ser fortes porque são empurradas para a marginalidade assim que começam sua transição de gênero. E tantas outras identidades que são violentadas diariamente no sistema patriarcal precisam criar mecanismos de defesa para sobreviver todos os dias.

A gente não está dizendo que não podemos exaltar a força das mulheres, mas reduzir uma mulher apenas a sua força também é limitante. Mulheres não são uma coisa só. Assim como homens não são uma coisa só. Somos pessoas com dores, gostos e vivências completamente diferentes e cansa nos vermos apenas como a mulherzinha ou a guerreira.

A gente luta para viver em uma sociedade em que a força não seja primordial para a gente se manter viva. Lutamos para que não precisemos mais pensar “se eu convidar esse cara para a minha casa, eu corro risco de acordar sendo espancada por ele?”. Lutamos para que mulheres negras não sejam vistas como fortalezas que não precisam de cuidado, afeto e atenção porque num passado não tão distante eram consideradas mercadoria e por isso tiveram sua humanidade negada. Lutamos para que mulheres com deficiência possam falar sobre ter vida sexual ativa sem alguém indagar “mas como?” toda vez. Lutamos para que mulheres trans possam sair na rua sem medo de serem apedrejadas por serem quem são.

A publicidade precisa enxergar de verdade as mulheres

— sem os óculos dos estereótipos. Exaltar a mulher guerreira às vezes só serve para apagar o fato de que outros agentes da sociedade não estão cumprindo o papel que deveriam cumprir: os pais, os maridos, os amigos, o Estado. No fundo, todas nós sabemos que não era para ser tão difícil ser mãe, ser mulher. Mas ainda é. E por isso, somos fortes mesmo quando não queremos, mesmo quando não conseguimos ser.

Texto originalmente publicado no medium
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